Notícias do Congresso Internacional de Tratamento para a Infeção pelo VIH (HIV Glasgow 2022)

O declínio das células imunitárias causado pelo islatravir está relacionado com a dose e é reversível

Todd Correll a apresentar no  HIV Glasgow 2022. Imagem de  Alan Donaldson Photography.
Todd Correll a apresentar no HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.

No Congresso Internacional de Tratamento para a  Infeção pelo VIH  (HIV Glasgow 2022) na semana passada, a empresa farmacêutica MSD (conhecida como Merck nos EUA) apresentou os primeiros dados detalhados sobre os efeitos secundários inesperados de seu novo medicamento para o VIH, Islatravir.

Islatravir é um medicamento de uma nova classe chamada de inibidores nucleósidos da translocação da transcriptase reversa (INTTR). Esperava-se que fosse à prova de resistências e extremamente persistente no corpo, permitindo a dosagem oral mensal e com dosagem de seis meses ou anual com injeção ou implante.

No entanto, o desenvolvimento clínico deste  foi interrompido em novembro passado, quando o medicamento foi associado a quedas em muitos tipos de células do sistema imunitário, incluindo todos os linfócitos (células-globais brancos), as células B que produzem anticorpos, células NK e as células T, CD8 e CD4, que regulam a imunidade celular e que são atacadas pelo VIH.

Todd Correll da Merck focou-se nos dados de um estudo de fase II de testes de dose, que incluiu doses diárias de 0,25mg, 0,75 mg e 2,25mg, além de um braço de controlo sem islatravir. Todas as combinações incluíram doravirina e lamivudina.

O estudo permite um olhar mais profundo em como a supressão de linfócitos variou com a dose. Por exemplo, na semana 72, a contagem total de linfócitos aumentou 20,5% em relação à linha de base nas pessoas na dose mais baixa de Islatravir e em 16% em pessoas no braço de Tenofovir. Mas estes diminuíram um pouco, em 0,4%, nas pessoas na dose de  0,75 mg de islatravir e consideravelmente, em 16%, nas pessoas em 2,25 mg.

Como os participantes de dois dos braços do estudo mudaram de doses, os resultados também demostram se os efeitos observados em doses maiores eram reversíveis. De forma geral, se as pessoas mudaram de 2,25mg para 0,75mg islatravir, a contagem de linfócitos totais,  células CD4 e células B, subiram; Se mudaram de 0,25mg para 0,75mg islatravir, houve descida; E se permanecessem em 0,75 mg, permaneceriam os níveis.

A MSD diz que a dose efetiva mais baixa de 0,25mg não deve produzir declínios significativos nos linfócitos. Portanto, esta dose será desenvolvida em estudos de islatravir e doravirina diários para tratamento.

No entanto, as doses maiores e as novas formulações de Islatravir que prometiam dosagem mensal ou até anual – e uma revolução na prevenção do VIH - não serão desenvolvidas neste momento.


Aumento rápido da PrEP na Ucrânia este ano

Centro de Tratamento de SIDA de Chernihiv depois de atingindo por um míssel. Imagem cedida por Sergiy Antoniak.
Centro de Tratamento de SIDA de Chernihiv depois de atingindo por um míssel. Imagem cedida por Sergiy Antoniak.

Mais da metade das pessoas em PrEP na Ucrânia iniciaram este ano, e o país espera desenvolver ainda mais os seus serviços de PrEP, segundo foi afirmado na conferência por Anna Koval, do Centro de Saúde Pública do Ministério da Saúde da Ucrânia.

Esta é uma conquista notável num país onde as clínicas de VIH foram danificadas ou destruídas, grande parte da população está em movimento e muitas equipas médicas foram deslocadas ou realocadas devido à guerra. Das 250 instalações médicas que poderiam dispensar a PrEP antes da guerra, 31 já foram destruídas, danificadas além do reparo ou estão atrás das linhas russas.

A expansão contínua da PrEP, disse Koval, só foi possível por causa da parceria de organizações comunitárias e não governamentais, que assumiram a maioria dos testes de VIH e trabalho de referenciação para os cuidados de saúde, libertando as equipas médicas apenas para prescrever a PrEP.

Houve cerca de 500 iniciações de PrEP por mês no período que antecedeu a guerra. Os números caíram drasticamente imediatamente após a invasão no final de fevereiro, mas junho teve 732 iniciações de PrEP – o maior número já visto. Atualmente, existem mais de 8.700 pessoas em PrEP na Ucrânia, das quais 4.559 a iniciaram em 2022.

“Queremos descentralizar ainda mais, prescrever a PrEP fora dos hospitais e implementar mais autotestes e telemedicina”, disse Koval. “Ainda planeamos um futuro, mas os nossos planos precisam de ter mobilidade, porque a nossa situação também o tem.”


Menos refugiados ucranianos com VIH na Polónia do que o esperado

Dr Miłosz Parczewski a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de  Alan Donaldson Photography.
Dr Miłosz Parczewski a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.

O número de refugiados com VIH  vindos da Ucrânia para a Polónia elevou em 16% o número de pessoas que recebem cuidados para o VIH na Polónia, disse o Dr. Miłosz Parczewski, Presidente da Sociedade Polaca de SIDA, durante a conferência. Isto é menos do que o esperado. A Ucrânia tem quase dez vezes mais pessoas que vivem com VIH do que a vizinha Polónia – o principal país anfitrião de refugiados da invasão.

Isto pode ter várias explicações. Alguns refugiados não planeiam permanecer na Polónia e podem estar a caminho de outros países onde seu status de refugiado foi aceite; algumas pessoas podem ter-se desvinculado dos cuidados; e alguns refugiados procuraram atendimento em hospitais periféricos no leste da Polónia que ainda não forneceram dados.

As diferentes características demográficas e necessidades dos refugiados ucranianos estão a colocar novos desafios aos serviços polacos. Por exemplo, 80% das pessoas que vivem com VIH na Polónia são homens que fazem sexo com homens. A epidemia de VIH na Ucrânia, por outro lado, tendo começado em pessoas que usam drogas injetáveis, agora é dominada por infeções adquiridas por via heterossexual. O número de crianças infetadas verticalmente recebendo tratamento para o VIH na Polónia quase dobrou em poucos meses.

Uma questão com a qual os médicos tiveram que lidar é que a combinação de tratamento tomada pela maioria dos ucranianos que vivem com VIH não está disponível na Polónia, ou seja muitas pessoas  precisaram mudar de tratamento. Outra preocupação é que muitos ucranianos têm um subtipo de VIH chamado A6, que raramente é visto noutros países europeus. Embora tenha havido dúvidas sobre se a resistência aos medicamentos para o VIH, especialmente os inibidores da integrase, se pode  desenvolver com mais frequência com este subtipo, as notícias até agora são tranquilizadoras.


Re-supressão do VIH após falha virológica

Dr Andrew Hill a apresentar na  HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.
Dr Andrew Hill a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.

O tratamento à base de dolutegravir tem significativamente mais probabilidades suprimir  o VIH  após falha virológica do que o tratamento contendo efavirenz, relatou uma meta-análise de quatro grandes ensaios clínicos

A capacidade de um regime antirretroviral de suprimir novamente o VIH após falha virológica é uma questão especialmente importante para ambientes de rendimentos baixos e médios, onde um número limitado de regimes está disponível. Se o tratamento de primeira linha falhar, o tratamento de segunda linha é consideravelmente mais caro, por isso é fundamental entender a probabilidade de re-supressão viral quando as pessoas continuam com o regime existente e recebem aconselhamento melhorado sobre adesão, de acordo com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde.

Dr. Andrew Hill e colegas reuniram dados de quatro grandes estudos que compararam o dolutegravir com o tratamento baseado em efavirenz ou inibidores de protease na África Subsaariana. Na meta-análise, as taxas de re-supressão viral em participantes que apresentaram falha virológica (carga viral acima de 1.000) e não mudaram de tratamento foram significativamente maiores para dolutegravir do que para efavirenz (p=0,04).

O Dr. Hill afirmou que é necessário mais investigação para avaliar quanto aconselhamento de adesão e carga viral sustentada são necessários antes que as pessoas que tomam dolutegravir recebam um novo regime. Sublinhou que as novas recomendações de tratamento da África do Sul só recomendam a troca do dolutegravir se for detectada resistência ao inibidor da integrase.


Tratamento injetável para o VIH na prática

Dr Celia Jonsson-Oldenbüttel a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.
Dr Celia Jonsson-Oldenbüttel a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.

Os primeiros dados alemães de pessoas sob cabotegravir e rilpivirina injetáveis (Vocabria/Rekambys na Europa, Cabenuva na América do Norte e Austrália) num projeto de demonstração, mostram que a insatisfação com a terapia antirretroviral (ART) desceu para metade após seis meses de experiência. Nesse período, 89,5% dos participantes permaneceram em terapia e com carga viral abaixo de 50 cópias.

Apenas duas das 236 pessoas sob cabotegravir/rilpivirina tiveram falha virológica, definida como duas cargas virais consecutivas acima de 200. Um dos dois pacientes com falha virológica nunca deveria ter participado do estudo, pois foi constatado posteriormente que tinha falhado um esquema anterior que continha INNTR, levando-os a desenvolver resistências à rilpivirina. Mas o outro é intrigante, pois não tinham fatores de risco aparentes.

Uma análise separada esclareceu os fatores de risco para falha virológica de cabotegravir/rilpivirina. A análise incluiu dados de 1.363 pessoas que participaram em três ensaios clínicos, com alguns participantes a tomar injeções há três anos. A taxa combinada de falha viral foi de 1,4% ou 0,54 por 100 pessoas-ano de acompanhamento.

Três fatores de base surgiram como preditores significativos de falha virológica: a presença de mutações resistentes à rilpivirina, subtipo HIV-1 A6 ou A1 (encontrado principalmente na Rússia e países vizinhos) e maior índice de massa corporal.

Uma combinação de dois fatores foi fortemente associada à falha virológica (o tratamento falhou em 19% das pessoas com dois fatores de risco). A falha virológica foi muito menos comum em pessoas com um único fator de risco (2,0%) ou nenhum fator de risco (0,4%).

No entanto, identificar as resistências à rilpivirina é um desafio para os médicos. As pessoas com supressão viral não podem ter seu RNA viral sequenciado para um teste de resistências. É possível sequenciar o DNA proviral, mas isso é caro e a maioria das clínicas não o faz. A única alternativa é confiar na história clínica (falha prévia de medicamentos da classe INNTR), mas nem sempre essa informação está disponível.


Gravidez em mulheres que nasceram com VIH

Ground Picture/Shutterstock.com
Ground Picture/Shutterstock.com

Um número cada vez maior de mulheres que cresceram com VIH está agora a ter os seus próprios filhos, de acordo com os investigadores do Reino Unido na conferência. Entre 2006 e 2021, houve 17.478 gestações em mulheres     quem vivem com VIH no Reino Unido, incluindo 202 gestações em 131 mulheres que cresceram com VIH. Durante esse período, a proporção de mães que cresceram com VIH aumentou de 0,3% para 3,5%.

As mulheres grávidas que cresceram com VIH eram significativamente mais jovens (idade média 24) do que as mulheres grávidas que provavelmente adquiriram o VIH através de sexo heterossexual (idade média 33). Embora mais mulheres que cresceram com VIH estivessem sob tratamento para o VIH no momento da concepção, as taxas de supressão viral foram ligeiramente mais baixas do que para as mulheres que adquiriram o VIH mais tarde na vida.

Os resultados em ambos os grupos foram amplamente semelhantes, mas houve um aumento do risco de partos prematuros e bebé com baixo peso nas mulheres que cresceram com VIH. Dos 150 bebés nascidos de mulheres que cresceram com VIH com acompanhamento completo, um foi diagnosticado como VIH positivo.


Doenças cardiovasculares e prevenção

Nadine Jaschinski a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.
Nadine Jaschinski a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.

Quase metade de uma grande coorte europeia de pessoas com VIH estava em risco muito alto de doença cardiovascular, mas uma proporção substancial não estava a receber medicação preventiva, segundo o que foi anunciado na HIV Glasgow.

O estudo examinou dados de 22.050 pessoas que vivem com VIH na Europa e na Austrália entre 2012 e 2019.

Um risco muito alto foi definido como um risco de 10% ou mais dentro de dez anos de um evento cardiovascular grave, como ataque cardíaco, acidente vascular cerebral ou morte por um evento cardiovascular grave ou cirurgia para doença cardíaca importante. A proporção com risco muito alto de doença cardíaca subiu de 31% em 2012 para 49% em 2019.

No entanto, um terço das pessoas elegíveis para medicação de redução da pressão arterial não a a recebia em 2019 e 43% não estavam a receber medicação para reduzir os níveis de lípidos. Uma proporção semelhante não recebia medicação para controlar o açúcar no sangue.


Migrantes gays e bissexuais em França

Focus and Blur/Shutterstock.com
Focus and Blur/Shutterstock.com

Na França, homens gays e bissexuais nascidos no estrangeiro têm maior prevalência de VIH, maior taxa de novas infeções e são mais propensos a permanecer sem diagnóstico. Estes também estão altamente concentrados na região de Paris.

Novos dados apresentados na conferência mostraram que pelo menos 38% desse grupo se tinha infetado com VIH depois de se mudar para a França. A infeção pelo VIH  após a chegada à França foi mais comum em homens do norte da África (73%), Ásia e Oceania (61%) e África Subsaariana (53%) do que em homens da Europa (47%) ou América Latina e Caribe (39%).

Os resultados do estudo destacam um alto nível de necessidades em prevenção do VIH e sociais entre homens gays e bissexuais que migram para a França.


Um escala simples que prevê a sobrevida

Dr Maxime Hentzien a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de  Alan Donaldson Photography.
Dr Maxime Hentzien a apresentar na HIV Glasgow 2022. Imagem de Alan Donaldson Photography.

Uma escala que pode identificar quais as pessoas  idosas que vivem com VIH que têm um prognóstico pior é tão preciso em suíços com VIH quanto na população francesa, segundo o que foi apresentado na conferência.

A escala Dat'AIDS foi desenvolvida analisando a mortalidade em pessoas com VIH com mais de 60 anos que vivem em França. Oito fatores foram associados ao risco de morte: idade, contagem de CD4, câncer não relacionado com o VIH, doença cardiovascular, função renal, cirrose hepática, baixo índice de massa corporal e anemia.

O novo estudo validou a escala com participantes da coorte Swiss HIV Cohort. Os resultados previstos pela escala demostraram uma concordância muito aproximadamente à mortalidade observada.

Identificar quais as pessoas com VIH que têm maior risco de baixa sobrevida é importante para priorizar as intervenções clínicas. A escala também pode tranquilizar aqueles com pontuações mais baixas.