AIDS 2022: Apenas seis injeções por ano podem prevenir o VIH: como podem os países pagar? Quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Apenas seis injeções por ano podem prevenir o VIH: como podem os países pagar?

Sibongile Tshabalala, Presidente da South Africa’s Treatment Action Campaign, liderando o protesto sobre a falta de acesso à PrEP injectável na AIDS 2022. Foto©Jordi Ruiz Cirera/IAS.
Sibongile Tshabalala, Presidente da South Africa’s Treatment Action Campaign, liderando o protesto sobre a falta de acesso à PrEP injectável na AIDS 2022. Foto©Jordi Ruiz Cirera/IAS.

Uma injeção a cada dois meses do antirretroviral cabotegravir é a forma mais eficaz de prevenção do VIH que o mundo já viu. Dois grandes ensaios clínicos realizados entre homens gays e bissexuais, mulheres trans e mulheres cisgénero revelaram que os que receberam injeções de cabotegravir tinham cerca de 80% menos probabilidades de se infetar com VIH do que aqueles que tomavam o comprimido diário de prevenção do VIH.

Na quinta-feira, a ViiV Healthcare anunciou que assinou um licenciamento voluntário com o Medicines Patent Pool para permitir que 90 países acedam a versões genéricas do medicamento.

Os fornecedores de genéricos devem estar prontos para distribuir estes produtos em cerca de cinco anos. O mercado terá que crescer o suficiente para acomodá-los. Até lá, a ViiV será a única fabricante.

Tornar esta nova opção de prevenção ao VIH acessível dependerá, em parte, de quantos fabricantes de genéricos investirão em produzi-lo – e para isso, deve haver a promessa de grandes mercados.

Enquanto isso, a ViiV comprometeu-se a fornecer cabotegravir injetável para os 14 países que estão envolvidos em ensaios clínicos. Para aumentar a oferta para muitos outros países, a ViiV terá que aumentar a produção. Para investir em capacidade adicional dispendiosa, provavelmente precisará de compromissos iniciais de grandes doadores, como o Fundo Global de Combate à SIDA, Tuberculose e Malária e o Plano de Emergência do Presidente dos EUA para Alívio da SIDA (PEPFAR).

O preço oficial nos EUA é de US$ 22.000 por pessoa anualmente, embora os preços reais provavelmente sejam muito mais baixos, mesmo noutros países de rendimentos altos. A empresa anunciou que oferecerá aos 90 países cobertos pela licença um preço reduzido. Várias fontes nos disseram que a empresa discutiu um preço potencial de US$ 240 por pessoa anualmente – quase cinco vezes o custo das versões genéricas do comprimido de prevenção do VIH.

O UNAIDS e muitas organizações de defesa, como a Campanha de Ação de Tratamento da África do Sul e o Health GAP, exigiram publicamente que o ViiV reduzisse seu preço para cerca de US$ 60 por paciente anualmente.

Sibongile Tshabalala, presidente da Campanha de Ação de Tratamento foi uma das dezenas de manifestantes que invadiram uma sessão na 24ª Conferência Internacional sobre SIDA (AIDS 2022) nesta semana para protestar contra a falta de acesso à injeção, dizendo: “A PrEP injetável de longa ação é uma ferramenta revolucionária para a prevenção do VIH, mas as recomendações da OMS para a implantação do cabotegravir de ação prolongada não significam nada  se as comunidades não poderem obter este produto por causa da ganância do ViiV".

As projeções de preços mais baixos dependem de um grande número de pessoas sob injeções de PrEP – milhões de pessoas a fazer fila numa farmácia ou clínica para uma injeção rápida a cada dois meses.

A questão é: como é que se cria um mercado para um produto que a maior parte do mundo ainda não viu? Num estudo recente da Organização Mundial da Saúde, cerca de sete em cada dez forncedores de PrEP disseram que ofereceriam uma injeção de prevenção do VIH se tivessem acesso a ela – mas apenas cerca de metade sabia que existia.


Enquanto os especialistas discutem a resposta à varíola, os ativistas dizem que mais precisa ser feito

Manifestants na AIDS 2022 a exigir maior acesso a vacinas e tratamento contra a varíola dos macacos. Foto de  Liz Highleyman.
Manifestants na AIDS 2022 a exigir maior acesso a vacinas e tratamento contra a varíola dos macacos. Foto de  Liz Highleyman.

Alguns dos principais especialistas e autoridades de saúde pública do mundo discutiram a resposta global ao crescente surto de varíola dos macacos na AIDS 2022 em Montreal esta semana. Mas os ativistas afirmam que o mundo não está a fazer o suficiente para lidar com a crise, que afeta principalmente homens gays e bissexuais.

Numa mesa redonda dos media, Meg Doherty, da Organização Mundial da Saúde (OMS), fez uma atualização sobre o surto. De acordo com seu último relatório de situação, datado de 2 de agosto, a OMS recebeu relatórios de 23.351 casos de varíola dos macacos confirmados em laboratório de todo o mundo, resultando em oito mortes. Os EUA estão agora a reportar a maioria dos casos (mais de 6.000), seguidos pela Espanha, Alemanha e Reino Unido. Segundo a OMS, 99% são homens, a maioria dos quais se identifica como gay ou bissexual e relata o sexo como a via de transmissão mais provável.

A Dra. Marina Klein, da Universidade McGill, em Montreal, descreveu a resposta local à varíola dos macacos, que ultrapassou a de muitos outros países. A cidade parece ter um amplo suprimento da vacina Jynneos e está a fornecer doses para todos os homens que fazem sexo com homens e profissionais do sexo.

Ainda há muitas perguntas sem resposta para cientistas e comunidades.

Essa incerteza reflete-se em diferentes protocolos de vacinas. Muitas cidades e países estão a administrar uma dose inicialmente, para proteger parcialmente o maior número possível de pessoas imediatamente, mas há confusão sobre quanta proteção a primeira dose oferece e quando as pessoas precisam receber a segunda.

Uma área em que temos mais respostas são os sintomas, graças aos esforços dos médicos no terreno e pacientes que partilharam suas histórias. A professora Chloe Orkin, da Universidade Queen Mary de Londres, e uma grande equipa de colaboradores publicaram recentemente uma análise de mais de 500 casos de varíola dos macacos, revelando novos sintomas não relatados anteriormente em países onde o vírus é endémico.

Autoridades de saúde pública, médicos e defensores concordam que a oferta global de vacinas contra a varíola não está ao nível da procura, especialmente porque os países de altos rendimentos disputam o número limitado de doses. Embora os países da África Ocidental e Central tenham enfrentado a varíola por décadas, estes não têm acesso a vacinas e tratamento.

Dimie Ogonia, da Niger Delta University, na Nigéria, dirigindo-se aos participantes de um simpósio virtual sobre a varíola, disse que desde que os casos começaram a aparecer na Europa e na América do Norte, houve aumento da conscientização e vigilância da varíola na Nigéria, mas "devemos garantir que haja equidade na distribuição de vacinas e terapêuticas”.

Enquanto o Dr. Demetre Daskalakis, diretor da Divisão de Prevenção para o VIH do Centros de Controlo e Prevenção de Doenças e recém-nomeado vice-coordenador da resposta à varíola nos EUA, se preparava para falar no simpósio, dezenas de ativistas invadiram o palco. Os manifestantes – incluindo ativistas de SIDA veteranos – exigiram maior acesso a vacinas e tratamento nos EUA e no mundo.

A lista de exigências dos ativistas inclui “liderança decisiva” da OMS e das Nações Unidas sobre a vacina global contra a varíola e o acesso ao tratamento, incluindo esforços para aumentar a produção. Os manifestantes exigiram que a resposta global à varíola dos macacos priorize populações e comunidades vulneráveis e pediram financiamento e apoio para as pessoas que precisam se isolar.


Novos dados sugerem que a PrEP na gravidez é segura

Laurén Gómez na AIDS 2022. Foto de Rosalie Hayes.
Laurén Gómez na AIDS 2022. Foto de Rosalie Hayes.

Novos dados sobre o uso da PrEP durante a gravidez sugerem que esta não é prejudicial ao desenvolvimento a longo prazo das crianças, de acordo com uma análise preliminar apresentada na AIDS 2022.

Estudos anteriores de PrEP durante a gravidez mediram apenas os resultados infantis até 12 meses após o nascimento. Este estudo analisou os resultados de crescimento e neurodesenvolvimento de bebés com idades entre dois e três anos cujas mães usaram PrEP durante a gravidez e não encontrou diferenças entre estes e os bebés cujas mães não usaram PrEP.

O estudo ainda está a aberto para novos participantes de pares  de mãe e filho no oeste do Quénia e acompanhá-lo-á até o quinto aniversário da criança. As enfermeiras do estudo avaliam o crescimento e o neurodesenvolvimento das crianças em intervalos de seis meses.

No momento da análise, os dados estavam disponíveis para 664 pares de mãe-filho. A idade mediana das mães e das crianças quando inscritas na coorte foi de 28 anos e 26 meses, respetivamente. Dezassete por cento das mães (119) iniciaram a PrEP durante a gravidez.

Este estudo revelou que os bebés expostos à PrEP durante a gravidez não eram mais ou menos propensos a apresentar nanismo, perda de peso ou baixo peso do que bebés não expostos à PrEP. O comprimento e o peso das crianças eram os mesmos aos 24, 30 ou 36 meses. O neurodesenvolvimento entre bebés expostos a qualquer PrEP durante a gravidez e aqueles que não foram também foi o mesmo.

Estes dados preliminares, portanto, apoiam estudos anteriores que indicam que o uso da PrEP durante a gravidez é seguro.

A Organização Mundial da Saúde recomenda que mulheres grávidas e lactantes com risco de contrair VIH recebam diariamente PrEP contendo tenofovir disoproxil fumarato (TDF. Esta recomendação é apoiada por dados de muitas mulheres que vivem com VIH que usaram TDF durante a gravidez, o que demostrarou que é seguro tanto para a mãe quanto para o bebé.


A PrEP injetável só pode custar um pouco mais do que a PrEP oral pra ser custo-eficaz, segundo estudo sul-africano

Dr Gesine Meyer-Rath na AIDS 2022.
Dr Gesine Meyer-Rath na AIDS 2022.

No cenário da África do Sul, a PrEP injetável de longa duração usando o medicamento antirretroviral cabotegravir (CAB-LA) não pode custar mais de US$ 15 por injeção em condições de baixa cobertura, ou US$ 9 por injeção em condições de alta cobertura, pra ser custo-eficaz em comparação com o uso oral de tenofovir disoproxil/emtricitabina (TDF/FTC), de acordo com o apresentado na conferência.

Os investigadores criaram uma modelagem matemática com base no que se sabe sobre a eficácia da PrEP oral e injetável de estudos anteriores.

O modelo incluiu os preços dos medicamentos para TDF/FTC PrEP oral com base nos preços atuais da África do Sul e, em seguida, estabeleceu cinco níveis de preços para CAB-LA, de uma a cinco vezes mais que o preço do TDF/FTC genérico. Também incluiu custos de entrega, tais como o tempo de equipa.

Os investigadores criaram vários cenários com base em quanto tempo os indivíduos permaneceram em PrEP (duração) e quantas pessoas optaram por tomar PrEP (cobertura). O modelo então analisou quantas infeções por VIH e mortes relacionadas com SIDA seriam evitadas em diferentes cenários e a redução no custo da terapia antirretroviral se menos pessoas precisarem de tratamento para o VIH ao longo da vida.

No entanto, mesmo com estas reduções, um grande número de pessoas a ter acesso à PrEP injetável custaria muito ao sistema de saúde sul-africano. A África do Sul não tem um limite de custo-efetividade declarado, mas 50% do PIB anual per capita por ano de vida salvo tem sido usado com frequência. Atualmente, este valor é de US$ 2.545 por ano.

A base dos gastos com VIH pelo sistema de saúde sul-africano, sem qualquer PrEP extra, é atualmente de US$ 1,9 bilhão por ano.

A PrEP oral com cobertura média custaria ao programa de VIH 2% a mais, resultando numa economia de US$ 2.309 por ano de vida. Se CAB-LA incluindo despesas gerais custasse o mesmo que PrEP oral (cerca de US$ 80 por ano), então, por causa das infeções extras e mortes evitadas, custaria ao programa de VIH 5% mais, mas seria mais custo-eficaz na duração mínima: $ 1705 por ano de vida economizado.

Se se duplicar o preço do medicamento CAB-LA para cerca de US$ 160 por ano e, assumir que o CAB-LA foi usado apenas por alguns meses de cada vez, custa US$ 2.751 por ano de vida economizado – marginalmente acima do limite de custo-benefício. Se os utilizadores permanecessem neste por um ano ou dois, custaria US$ 3.240 por ano de vida economizado – bem acima do limite.

Sem contar com as despesas gerais, em alta cobertura, a CAB-LA PrEP precisaria custar menos de US$ 9 por injeção (US$ 54 por ano) e em cobertura média, US$ 15 por injeção (US$ 90 por ano).


aidsmapLIVE: especial AIDS 2022

aidsmapLIVE

Na segunda-feira, 8 de agosto, às 17h (horário do Reino Unido), a NAM aidsmap transmitirá um especial aidsmapLIVE AIDS 2022 nas suas páginas do Facebook e Twitter.

Susan Cole, do NAM aidsmap, debaterá as notícias e investigações apresentadas no AIDS 2022 com os convidados: Dr. Meg Doherty, Diretora de Programas Globais de VIH, Hepatite e IST na Organização Mundial da Saúde; Dra Linda-Gail Bekker, Diretora Executiva da Desmond Tutu Health Foundation; Dra. Laura Waters, Presidente da British HIV Association; e Florence Anam, gestora de programa da Rede Global de Pessoas que vivem com VIH.


Análise Científica da Clinical Care Options

CCO

Participe na análise científica dos dados apresentados no AIDS 2022 com webinars rápidos pós-conferência por professores especializados, resumos, webinars à escolha, slides e comentários sobre o ClinicalThought fornecidos pela Clinical Care Options.