Terça-feira 23 julho 2019

Segurança do dolutegravir durante a gravidez: o risco é menor do que o foi relatado inicialmente

Dra. Rebecca Zash a apresentar os resultados do estudo Tsepamo na IAS 2019. Foto de Roger Pebody.

A exposição ao dolutegravir no momento da conceção ou durante os primeiros três meses de gestação está associada a um pequeno aumento do risco de defeitos do tubo neural, conclui-se do acompanhamento de longo prazo numa coorte nacional de nascimentos no Botsuana. Esta investigação foi apresentada na 10ª Conferência Internacional sobre SIDA (IAS 2019), que decorre esta semana na Cidade do México.

O risco é menor do que os resultados preliminares sugeriam, e a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o dolutegravir deve estar disponível para todas as mulheres (veja a notícia seguinte).

Uma malformação do tubo neural ocorre quando a medula espinal, o cérebro ou as estruturas conexas não se formam adequadamente. A causa mais comum de malformações do tubo neural é a falta de ácido fólico durante a gravidez, mas estas malformações também podem ser causadas ​​por alguns medicamentos. O risco de malformações do tubo neural é maior no momento da conceção e no primeiro trimestre da gravidez. A espinha bífida - medula espinal mal formada - é a malformação mais comum do tubo neural.

Em 2018, surgiram preocupações com a segurança do dolutegravir durante a gravidez depois de ter sido verificada uma taxa aumentada de malformações do tubo neural  em recém-nascidos expostos ao dolutegravir durante a conceção e no início da gravidez, no estudo Tsepamo, no Botsuana. A OMS reagiu então emitindo orientações para que mulheres que potencialmente poderiam engravidar deviam tomar contracetivos eficazes se optassem por tomar dolutegravir.

O estudo Tsepamo é um programa de vigilância dos outcomes de nascimentos, que começou no Botswana em 2014. O programa expandiu de 8 hospitais para 18 em 2018 e até março de 2019 recolheu dados de 119 477 partos.

Os resultados apresentados na IAS 2019 mostram que a diferença de risco entre o dolutegravir e outros antirretrovirais é o equivalente a dois casos adicionais de malformações do tubo neural para cada 1000 mulheres expostas ao medicamento.

Um estudo menor no Brasil, que incluiu 1468 mulheres que tomaram dolutegravir, raltegravir ou efavirenze durante a gravidez, não encontrou malformações do tubo neural.

Dado que a falta de ácido fólico é uma causa importante de malformações do tubo neural, vários oradores na conferência chamaram a atenção para a falta de suplementação de folato para mulheres grávidas em Botswana e outros países. Meg Doherty, Coordenadora do Tratamento e Cuidados do VIH na OMS, disse na conferência: “Ainda há um risco que nós e os países precisamos monitorar de perto, mas neste momento, o dolutegravir deve ser acessível para mulheres em idade fértil devido aos enormes benefícios que ele oferece... Que opções de tratamento a seguir é uma decisão que uma mulher deve fazer em consulta com seu médico.”

Dolutegravir recomendado para todos nas novas diretrizes da Organização Mundial de Saúde

A Organização Mundial de Saúde (OMS) na IAS 2019 anuncia que todos os que iniciarem o tratamento do VIH em países de rendimentos baixos e médios devem iniciar com uma combinação contendo dolutegravir.

O anúncio pretende resolver a incerteza sobre, se as mulheres em idade fértil devem tomar dolutegravir (ver notícia anterior). As novas recomendações da OMS não são ambíguas. Recomenda-se o tratamento com base no dolutegravir como o regime de primeira linha preferido para todos os adultos e adolescentes. Nas orientações atualizadas de 2019, a OMS recomenda:

  • Dolutegravir em combinação com dois inibidores da transcriptase reversa nucleosídeos (ITRN) para tratamento de primeira linha de todos os adultos e adolescentes.
  • Efavirenze 400 mg mais dois ITRN como alternativa ao regime de primeira linha para adultos e adolescentes.

As orientações também fazem duas recomendações "condicionais" – o que significa que a prova é menos forte – para o tratamento de crianças e bebés:

  • Doseamento de dolutegravir baseado no peso para crianças e lactentes, quando a dose está aprovada para a faixa etária.
  • Tratamento baseado no raltegravir como uma alternativa para crianças e bebés em que o dolutegravir não está disponível.

As orientações também recomendam que qualquer pessoa em um regime de primeira linha, que não contenha dolutegravir, mude para um regime de segunda linha de dolutegravir, além de um novo backbone de ITRN.

As novas recomendações enfatizam a importância de mudar para o dolutegravir em locais onde a resistência aos inibidores da transcriptase reversa não-nucleosídeos (ITRNN) está aumentando. O uso de efavirenze nestes ambientes pode resultar em falha do tratamento e transmissão adicional de vírus resistentes aos medicamentos.

 A implementação das recomendações é uma prioridade urgente para os países, na medida em que trabalham para alcançar as metas internacionais 90-90-90. O tratamento com base no dolutegravir tem o potencial de ser económico, melhor tolerado – levando a uma melhor retenção no tratamento – e mais potente, o que significa que menos pessoas precisarão mudar para esquemas de segunda linha, mais caros.

Pessoas com VIH expressam grande satisfação com o tratamento injetável uma vez por mês

Miranda Murray da ViiV Healthcare a apresentar o estudo ATLAS na IAS 2019. Foto de Liz Highleyman.

As pessoas que receberam uma combinação de dois antirretrovirais injetáveis de ação prolongada uma vez por mês expressaram um alto nível de satisfação com o regime e quase todos disseram que o preferiam à terapia oral que faziam antes, de acordo com dois estudos apresentados na IAS 2019.

O estudo ATLAS (Terapêutica Antirretroviral como Supressão de Ação Prolongada) avaliou o cabotegravir injetável mais a rilpivirina (que também existe em forma de comprimido sob o nome Edurant) com pessoas que mudaram de um regime de combinação oral padrão com carga viral totalmente suprimida. O estudo FLAIR (Primeiro Regime Injetável de Ação Prolongada) testou a combinação injetável em pessoas que iniciavam o tratamento do VIH pela primeira vez. Os resultados anteriormente apresentados mostraram a eficácia do regime injetável na supressão da carga viral. .

O estudo ATLAS envolveu 616 pessoas que já estavam em tratamento para o VIH. Os participantes continuaram a tomar o regime oral ou mudaram para o regime de cabotegravir e rilpivirina injetáveis. Os dois grupos tiveram resultados semelhantes de saúde física e mental, mas o grupo que recebeu injeções relatou maior satisfação com o tratamento. Após 44 semanas no regime injetável, 97% dos participantes que trocaram disseram que preferiam o tratamento injetável de longa duração.

O estudo FLAIR envolveu 556 pessoas que iniciaram o tratamento pela primeira vez. Os participantes iniciaram o tratamento com um esquema oral de dolutegravir/abacavir/ amivudina (Triumeq) e depois, ou permaneceram no regime oral ou mudaram para o regime de cabotegravir e rilpivirina injetáveis. Os participantes do grupo que recebia injeções expressaram um maior nível de satisfação com o tratamento, e 99% disseram que preferiam as injeções mensais à terapêutica oral.

Porque estas pessoas ofereceram-se para participar nos estudos sobre novos injetáveis, os participantes podem estar mais motivados e entusiasmados com as injeções do que outras pessoas que precisam de tratamento para o VIH.

Estatinas não abrandaram a progressão da arteriosclerose nas pessoas que vivem com VIH

Janine Trevyllian na IAS 2019. Foto de Liz Highleyman.

As pessoas que vivem com VIH que usaram rosuvastatina (Crestor®) para prevenir a progressão da doença cardiovascular não tiveram uma redução na progressão da arteriosclerose, ou “endurecimento das artérias”, apesar de se ter observado uma redução no colesterol, segundo um relatório apresentado no IAS 2019.

Os níveis elevados de colesterol e triglicéridos, que podem ser um efeito secundário de alguns medicamentos antirretrovirais, estão associados a um maior risco de doença arterial coronária, enfartes e derrames. As orientações recomendam que as pessoas acima de um determinado limiar de risco tomem estatinas ou outros medicamentos hipolipemiantes, mas  sistema mais utilizado, a escala de risco de Framingham, não é um predictor preciso do risco em em pessoas que vivem com VIH.

Esta análise incluiu 84 pessoas que vivem com VIH na Austrália e na Suíça. Quase todos eram homens, a maioria era branca e a mediana da idade era de 54 anos. Os participantes foram considerados em risco cardiovascular moderado. Como um marcador substituto da aterosclerose, os investigadores mediram a espessura íntima-média, ou a espessura das camadas de revestimento arterial, na artéria carótida que abastece o cérebro.

Os participantes foram aleatoriamente selecionados para tomar rosuvastatina diária ou um comprimido placebo semelhante. Como esperado, o colesterol total e os níveis de colesterol LDL diminuíram no grupo da rosuvastatina, permanecendo semelhantes no grupo placebo. No entanto, não houve diferença significativa entre os grupos de progressão íntima-média da carótida desde o início até à semana 96 do estudo.

Os participantes que usaram rosuvastatina tiveram, contudo, mais efeitos secundários. Houve duas mortes e cinco eventos adversos graves no grupo rosuvastatina, mas nenhum deles no grupo placebo.

Estes resultados, num grupo de pessoas com um risco moderado de doenças cardiovascular, contrariam os resultados de um estudo anterior que demonstrou que as estatinas eram benéficas no abrandamento da progressão da arteriosclerose em pessoas que vivem com o VIH.

Com o REPRIEVE, o grande estudo randomizado já em curso, espera-se que sejam clarificadas estas questões sobre as estatinas quando os resultados forem aprestados.

Resultados mais fracos nos cuidados para o VIH para aqueles que usam álcool e drogas em países da África Subsaariana

Dois estudos apresentados durante a IAS2019 demonstraram um envolvimento baixo das pessoas que consomem álcool ou que usam drogas nos serviços de saúde para o VIH. Embora esteja estabelecido que o consumo de álcool e uso de drogas potencia resultados mais fracos para as pessoas que vivem com VIH na Europa e América do Norte, há uma escassez de dados para as pessoas que vivem na África subsaariana.

Os investigadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, tinham por objetivo determinar de que forma os efeitos do álcool afetavam a cascata do tratamento, desde o diagnóstico até à supressão viral, utilizando dados iniciais do SEARCH, um ensaio randomizado de “teste e tratamento” em 32 comunidades rurais do Quénia e Uganda.

Das 10 067 pessoas a viver com VIH que participaram no rastreio, parte realizada através de um censo de “porta-a-porta” do SEARCH, 16% eram alcoólicos. As pessoas que ingeriam álcool e as que não ingeriam álcool tinham características semelhantes no início do estudo, com a exceção de que 71% dos participantes era do sexo masculino, enquanto apenas 29% das pessoas que não ingeriam álcool do sexo masculino. As pessoas que ingeriam álcool tinham uma probabilidade de 12% de saber o seu estatuto serológico positivo para o VIH, em comparação com as pessoas que não consumiam álcool. Esta tendência tornou-se mais forte em níveis mais elevados de consumo.

Para as pessoas já diagnosticadas, as que ingeriam álcool tinha menos de 7% de probabilidade de estar sob terapêutica antirretroviral (TAR).  Entre as pessoas sob TAR, o consumo elevado e muito elevado foi associado a 12% e 13% de menor probabilidade de supressão viral. Comparando todos os consumidores e não consumidores de álcool, qualquer nível de consumo de álcool foi associado a uma possibilidade menor de 20% de supressão viral.

Um segundo estudo, baseado nos dados de 2 374 pessoas que vivem com VIH seguidos numa clínica em Durban, na África do Sul, revelou resultados semelhantes.

No início do estudo, 50% dos homens e 21% das mulheres declararam consumo de álcool; 11% dos homens e 1% das mulheres tinham fumado marijuana; e 2% dos homens e 1% das mulheres indicou o uso de drogas.

As pessoas que consumiam álcool tinham uma probabilidade inferior a 30% de permanecerem em tratamento doze meses após o início do mesmo. As pessoas que usavam drogas, para além da marijuana, tinham uma probabilidade menor de 78% de suprimir a carga viral. O uso de marijuana não foi associado a fraca supressão viral.

Os investigadores que apresentaram os estudos enfatizaram que é necessário intervenções abrangentes que tenham em conta o consumo de álcool e de drogas paras as pessoas que vivem com VIH na África subsaariana, de forma  a alcançar a meta 90-90-90, definida pela ONUSIDA.

Análise científica da Clinical Care Options

Clinical Care Options é o provedor oficial de análise científica on-line da IAS 2019 por meio de resumos, slides para download, webinars rápidos de especialistas e comentários ClinicalThought.