IAS 2023: Implementação dos resultados do REPRIEVE no mundo real, quarta-feira, 26 de julho de 2023

Estatinas e VIH: como podem as conclusões do REPRIEVE ser implementadas no mundo real?

Painel de discussão no simpósio do estudo REPRIEVE na IAS 2023. Foto de @iasociety.
Painel de discussão no simpósio do estudo REPRIEVE na IAS 2023. Foto de @iasociety.

Os resultados do estudo de referência REPRIEVE, que testou uma medicação diária à base de estatinas para pessoas que vivem com VIH, foram apresentados no início da semana na 12ª Conferência sobre a Ciência de VIH da Sociedade Internacional da SIDA (IAS 2023) em Brisbane, na Austrália. O estudo demonstrou que as pessoas com risco cardiovascular baixo a moderado - um grupo ao qual normalmente não seriam prescritas estatinas - tinham um risco 35% menor de eventos cardiovasculares importantes, como ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral, quando recebiam pitavastatina.

Após a apresentação dos dados, um painel de peritos na IAS 2023 discutiu o significado dos resultados do ensaio para as pessoas que vivem com VIH em países de rendimentos altos, médios e baixos, e se uma única estratégia de prevenção seria adequada a nível mundial.

Embora o VIH seja um fator de risco conhecido para as doenças cardiovasculares, os médicos têm hesitado em prescrever estatinas a pessoas com risco cardiovascular baixo a moderado devido à falta de dados sobre a sua eficácia. O investigador principal do estudo REPRIEVE, Professor Steven Grinspoon, sugeriu que as recomendações deveriam ser alteradas de modo a sugerir que as pessoas que vivem com VIH recebam terapia com estatinas.

Os benefícios foram claros no ensaio REPRIEVE, mas devem ser ponderados em relação aos potenciais danos. A estatina utilizada está associada a um pequeno aumento da taxa de diabetes, mas isso pode significar um número substancial de casos adicionais de diabetes se as estatinas forem oferecidas a todas as pessoas com risco baixo a moderado.

O Dr. Andrew Hill, da Universidade de Liverpool, disse ao aidsmap que alguns médicos africanos não têm a certeza de que a pitavastatina traga benefícios significativos, tendo em conta o risco acrescido de diabetes, que é uma das principais causas de morte em África.

A pitavastatina está atualmente disponível em muitos países e estará mais amplamente disponível quando a sua patente for retirada, provavelmente no início de 2024. Esta estatina foi escolhida para o REPRIEVE porque é geralmente bem tolerada e não interage com os antirretrovirais. Mas se a pitavastatina não estiver disponível, os membros do painel disseram que seria razoável substituir por outra estatina segura.

As estatinas "não são medicamentos de luxo", disse Grinspoon. São "muito baratas" quando não estão protegidas por patente, o que as poderia tornar acessíveis a toda a gente.

Os resultados do REPRIEVE sublinham a necessidade de melhores ferramentas de previsão de risco específicas para as pessoas que vivem com VIH. Os membros do painel levantaram questões sobre quem irá gerir a prevenção das doenças cardiovasculares e a prescrição de estatinas, uma vez que atribuí-las a especialistas em VIH e não aos cuidados primários poderia limitar o acesso.

Os membros do painel concordaram que a utilização de estatinas deve fazer parte de um plano mais alargado de prevenção das doenças cardiovasculares que dê ênfase a um estilo de vida saudável para o coração.


Bictegravir seguro e eficaz na gravidez

Foto de Rhiannon Neale Photography
Foto de Rhiannon Neale Photography

Os níveis de bictegravir permanecem adequados durante a gravidez e não é necessário ajustar a dose, segundo um estudo apresentado na IAS 2023. A investigação também demonstrou que a combinação de bictegravir, tenofovir alafenamida e emtricitabina (Biktarvy) manteve a supressão viral durante a gravidez e o período pós-parto.  

O Biktarvy é recomendado para o tratamento antirretroviral em adultos, mas até à data não existem dados sobre a sua segurança e eficácia na gravidez. O bictegravir é metabolizado por enzimas que são mais ativas durante a gravidez e a ligação às proteínas é reduzida, levando potencialmente a concentrações mais baixas do medicamento.

Este estudo analisou a segurança, a eficácia e a farmacocinética do Biktarvy em mulheres com VIH que tinham alcançado a supressão viral com o seu regime antirretroviral existente e que se encontravam no segundo ou terceiro trimestre de gravidez.

Os participantes mudaram para o Biktarvy quando entraram no estudo e todos os 32 participantes mantiveram a supressão viral no parto e no final do período de observação pós-parto de 18 semanas. Foi registado um evento adverso relacionado com o medicamento (falso trabalho de parto), mas não houve descontinuações do Biktarvy.

Foram colhidas amostras de sangue a intervalos regulares durante períodos de 24 horas no segundo e terceiro trimestres e nas semanas 12 e 16 após o parto. Isto mostrou que as concentrações de bictegravir eram mais baixas durante a gravidez do que após o parto, mas que as concentrações mais baixas registadas eram ainda adequadas.

Nenhum bebé nascido de participantes tinha VIH detetável. Nos bebés, o tempo necessário para que os níveis de bictegravir descessem para metade foi de 43 horas, mais do dobro da semi-vida observada nos adultos (18 horas).


Menor eficácia da vacina contra a COVID-19 em pessoas com VIH que injetam drogas

Dr. Joseph Puyat na IAS 2023. Foto de Roger Pebody.
Dr. Joseph Puyat na IAS 2023. Foto de Roger Pebody.

A eficácia da vacina contra a COVID-19 parece ser menor nas pessoas com VIH que injetam drogas, de acordo com um estudo realizado na província canadiana da Colúmbia Britânica e apresentado na IAS 2023.

O estudo concluiu que as pessoas com VIH com um historial de consumo de drogas injetáveis tinham um risco mais elevado de testar positivo para o SARS-CoV-2 após a vacinação e isso acontecia mais cedo do que nas outras pessoas vacinadas com VIH ou pessoas sem VIH.

Os investigadores utilizaram dados recolhidos sobre os testes de SARS-CoV-2 na província para identificar pessoas com VIH com 19 anos ou mais que foram submetidas a testes de SARS-CoV-2 entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021. O estudo comparou 2700 pessoas com VIH e 375 043 pessoas seronegativas. Quarenta por cento das pessoas com VIH tinham um historial de consumo de drogas injetáveis, em comparação com 4% das pessoas seronegativas. Durante o período do estudo, 351 pessoas com VIH e 103.049 pessoas seronegativas testaram positivo para o SARS-CoV-2.

Os investigadores avaliaram a eficácia da vacina de acordo com o número de doses recebidas e o intervalo entre a receção de uma segunda dose e o teste positivo para o SARS-CoV-2. Nas pessoas com VIH, a eficácia da vacina (a redução do risco de teste positivo) foi de 65% nas pessoas com antecedentes de consumo de drogas injetáveis e de 80% nas pessoas sem antecedentes de consumo de drogas.

Nas pessoas com VIH que não tinham antecedentes de consumo de drogas injetáveis, a eficácia da vacina manteve-se acima dos 80% até 119 dias depois de receberem uma segunda dose. Nas pessoas com antecedentes de consumo de drogas injetáveis, a eficácia da vacina manteve-se em cerca de 65% até 119 dias após a receção da segunda dose. Em ambos os grupos, a eficácia da vacina diminuiu após 120 dias, para 64% nas pessoas sem antecedentes de consumo de drogas injetáveis e para 42% nas pessoas com antecedentes de consumo de drogas injetáveis.

Os investigadores do estudo afirmam que os seus resultados sugerem que a vacinação é menos eficaz neste grupo e que as pessoas que injetam drogas podem necessitar de doses de reforço mais cedo do que outras pessoas com VIH, mas advertem que o tamanho da amostra no estudo era relativamente pequeno. Sugerem o peso das comorbilidades nas pessoas que injetam drogas como uma possível explicação para a para a eficácia reduzida.


Os cuidados com a tensão arterial elevada devem ser financiados como parte dos programas de tratamento do VIH

Professor Francois Venter na IAS 2023. Foto de Roger Pebody.
Professor Francois Venter na IAS 2023. Foto de Roger Pebody.

O desenvolvimento de pressão arterial elevada (hipertensão) após o início da terapia antirretroviral (TARV) na África subsariana é comum, mas pode ser gerido com monitorização e medicamentos genéricos de baixo custo, disse o Professor François Venter da Universidade de Witwatersrand durante a IAS 2023.

"Os programas de tratamento em massa do VIH têm de incluir apoio e financiamento para o diagnóstico e tratamento da hipertensão", disse o Professor Venter na conferência.

Em dois grandes estudos, entre um terço e metade dos participantes apresentavam uma tensão arterial elevada ou limítrofe após quatro anos de tratamento.

O estudo NAMSAL distribuiu aleatoriamente 613 pessoas com VIH nos Camarões para tomarem dolutegravir ou efavirenz em dose baixa (400 mg) combinado com tenofovir disoproxil fumarato (TDF) e lamivudina.

O ganho de peso aumenta o risco de desenvolver tensão arterial elevada, o que, por sua vez, aumenta o risco de problemas cardiovasculares e outros problemas de saúde. Os participantes em ambos os braços do estudo ganharam peso, mas os aumentos foram maiores nos que tomaram dolutegravir (9 kg nas mulheres e 7 kg nos homens após 192 semanas).

À medida que os participantes ganhavam peso, a tensão arterial começava a aumentar. No final do estudo, a tensão arterial sistólica tinha aumentado 10 mmHg nas pessoas que tomavam dolutegravir, significativamente mais do que nas pessoas que tomavam efavirenz. Proporções semelhantes de pessoas nos dois braços do estudo tinham tensão arterial elevada no início do estudo (12% e 10%). No final do estudo, 31% do grupo do dolutegravir versus 9% do grupo do efavirenz tinham tensão arterial elevada.

O estudo ADVANCE comparou o efavirenz (600mg), TDF e emtricitabina; com dolutegravir, TDF e emtricitabina; ou dolutegravir, tenofovir alafenamida (TAF) e emtricitabina em 1053 pessoas na África do Sul. As pessoas que tomaram dolutegravir com TAF foram as que ganharam mais peso após 192 semanas (mulheres 10kg, homens 7kg).

Cerca de 10% em cada grupo de estudo já estavam a ser tratados para a tensão arterial elevada no início do estudo. Treze por cento do grupo que tomou dolutegravir e TAF desenvolveu tensão arterial elevada durante o estudo, em comparação com 11% no braço de dolutegravir e TDF e 8% no braço de efavirenz.

A pressão arterial aumentou ao longo do tempo, embora o aumento médio da pressão sistólica após quatro anos tenha sido menor no estudo ADVANCE (+2mmHg) do que no estudo NAMSAL. Isto deveu-se ao facto de ter sido tratada por rotina quando diagnosticada. O Professor Venter afirmou que a tensão arterial elevada é facilmente tratada com medicamentos genéricos de baixo custo na África do Sul.

No início do estudo, uma proporção substancial dos participantes já tinha tensão arterial elevada (39% nos braços do estudo do dolutegravir e 38% no braço do efavirenz). Na semana 192, esta percentagem tinha aumentado para 54% nos grupos do dolutegravir e 47% no grupo do efavirenz.

O Professor Venter afirmou que a análise preliminar sugere que a diferença na pressão arterial elevada está associada ao aumento de peso e não ao tratamento.

No entanto, um outro estudo apresentado na conferência demonstrou que, em coortes de pessoas com VIH na Europa e na Austrália, a taxa de hipertensão arterial era mais elevada nas pessoas que tomavam tanto TAF como um inibidor da integrase, mesmo depois de ajustada para o aumento de peso durante o tratamento.

Um total de 9704 pessoas foram incluídas na análise. Trinta por cento desenvolveram tensão arterial elevada durante 39.993 pessoas-ano de acompanhamento. Em comparação com as pessoas que não tomavam um inibidor da integrase ou TAF, as que tomavam um inibidor da integrase e TAF tinham uma taxa 48% mais elevada de tensão arterial elevada, após ajustamento para o índice de massa corporal (IMC) atualizado no tempo e outros fatores de confusão. Por outras palavras, o tipo de tratamento antirretroviral que tomavam continuava a estar associado ao risco de desenvolverem pressão arterial elevada, mesmo depois de ajustado para as alterações no IMC durante o estudo.

O tratamento com um inibidor da integrase sem TAF, ou com TAF sem um inibidor da integrase, também foi associado a uma taxa mais elevada de tensão arterial elevada após o ajustamento para as alterações do IMC, mas o aumento da incidência em relação a nenhum inibidor da integrase ou TAF foi menor (33% maior para TAF e 25% maior para um inibidor da integrase).


Práticas coercivas de cuidados de saúde reprodutiva relatadas por muitas mulheres que vivem com o VIH

Dra. Carrie Lyons na IAS 2023. Foto de Roger Pebody.
Dra. Carrie Lyons na IAS 2023. Foto de Roger Pebody.

As mulheres com VIH correm um risco acrescido de coerção reprodutiva por parte dos profissionais de saúde na África Subsariana, na Europa Oriental e na Ásia Central, de acordo com uma investigação apresentada na IAS 2023.

A coerção reprodutiva está relacionada com o facto de as pessoas serem pressionadas a realizar intervenções reprodutivas sem o seu consentimento livre e informado.

A equipa de investigação utilizou dados recolhidos do People Living with HIV Stigma Index 2.0, uma ferramenta normalizada que permite às pessoas com VIH autorelatarem o estigma e a discriminação de que são alvo.

Os dados foram recolhidos entre 2021 e 2022 em 11 países de África e cinco países da Europa Oriental e da Ásia Central (EECA). A equipa procurou relatos de experiências de práticas coercivas em relação ao planeamento familiar ou à gravidez, bem como experiências de esterilização forçada ou coagida.

Os participantes foram questionados sobre a coerção reprodutiva no ano anterior. A esterilização forçada foi referida por 1% das mulheres na África Subsariana e por 3% das mulheres na Europa Central e Oriental. O planeamento familiar forçado foi referido por 2% das mulheres na África Subsariana e por 4% das mulheres na Europa Central e Oriental; 5% e 10%, respetivamente, relataram experiências de coerção relacionadas com a gravidez.

Os subgrupos de mulheres com VIH corriam riscos específicos. As trabalhadoras do sexo, as mulheres que consomem drogas e as migrantes que também são seropositivas eram mais suscetíveis de sofrer coerção reprodutiva.

A equipa de investigação analisou os dados de acordo com as identidades individuais; a Dra. Carrie Lyons, da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, afirmou que uma análise interseccional iria provavelmente realçar a forma como as identidades múltiplas agravam as vulnerabilidades das mulheres.


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Clinical Care Options

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