Agosto de 2015

Especial Conferência IAS

A 8ª Conferência da International AIDS Society sobre a Patogénese do VIH, Tratamento e Prevenção (IAS 2015) é já considerada uma conferência fundamental que marcou uma mudança na forma como respondemos à epidemia do VIH. Isso coloca-a ao lado da Conferência da International AIDS de 1996, também em Vancouver, na qual foi demonstrada pela primeira vez a eficácia da terapêutica antirretroviral e da conferência de Durban de 2000, quando pela primeira vez se tornou possível levar o tratamento para o continente africano e hemisfério Sul. A conferência de 2015 foi chamada de conferência “90/90/90” devido à apresentação dos resultados do ensaio TRIAL (ver notícia abaixo), bem como outros resultados de ensaios anteriores, como o HPTN 052 (ver Outras notícias recentes). Estes resultados reforçam a meta 90/90/90 da ONUSIDA, anunciada pela primeira vez na conferência do ano passado, em Melbourne. A meta pretende que até 2020 90% de todas as pessoas que vivem com VIH conheçam o seu estatuto serológico, 90% destas se encontrem sob tratamento e 90% tenham carga viral indetetável.

No dia de abertura da conferência, nomes importantes da resposta à infeção pelo VIH apoiaram o pedido de acesso imediato à terapêutica antirretroviral no momento do diagnóstico. A Declaração de Consenso de Vancouver apela ao acesso imediato ao tratamento antirretroviral e ao acesso à profilaxia pré-exposição (PrEP) para aqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade à infeção pelo VIH, apelando ainda a um progresso rápido no sentido da implementação das novas evidências científicas. Tal como é indicado na Declaração, a IAS 2015 pode ser chamada de conferência da PrEP: muitas das apresentações relataram estudos sobre PrEP, demonstrando de forma quase universal que são as pessoas em situação de maior vulnerabilidade à infeção pelo VIH que apresentam maior interesse nesta profilaxia e benefícios na sua toma. Também pode ser vista como uma conferência importante para pessoas que usam drogas por via injetada, visto que muitas apresentações incluíam um trabalho bastante eficaz na área da prevenção e tratamento com esta população ainda extremamente negligenciada.

Existiu uma concordância generalizada sobre o caráter inédito desta conferência. Foi a primeira conferência mundial sobre VIH na qual foram discutidas, de forma coordenada, as novas possibilidades oferecidas pelo aumento dos esforços na área da prevenção. Se traduzidas em programas coerentes, estas poderão vir a pôr fim à epidemia do VIH.

Ensaio START abre finalmente caminho para o tratamento antirretroviral para todas as pessoas

De acordo com os resultados há muito aguardados do ensaio START, as pessoas que iniciam a terapêutica antirretroviral (TAR) com uma contagem de células CD4 ainda elevada, ao invés de aguardarem que esta desça abaixo de 350 células/mm3, têm um risco significativamente inferior de doença e morte associada à infeção pelo VIH.

Inscreveram-se no START 4 685 adultos a viver com infeção pelo VIH em 35 países. Os participantes tinham uma contagem de células CD4 superior a 500 células/mm3 aquando do início do ensaio e foram separados aleatoriamente para iniciarem o tratamento de forma imediata ou para o adiar até que a contagem de células CD4 fosse inferior a 350 células/mm3 ou quando começassem a desenvolver sintomas. Ocorreram menos de metade de episódios relacionados com SIDA, episódios graves não relacionados com SIDA e mortes entre as pessoas que iniciaram imediatamente a TAR que entre aquelas que a adiaram, existindo também reduções significativas dos casos de tuberculose (TB) e cancro. O START vem também abrir a porta a um maior uso do tratamento como prevenção.

Num workshop antes da conferência sobre o uso do tratamento antirretroviral como prevenção foram apresentadas evidências de dois estudos de grandes dimensões conduzidos em África que demonstram que a meta 90/90/90 da ONUSIDA (diagnosticar 90% das pessoas que vivem com VIH, ter 90% destes sob tratamento e 90% destes com carga viral indetetável) pode ser atingida. Dados iniciais do ensaio SEARCH no Quénia e o no Uganda demonstraram que 90% dos adultos com estruturas de habitação estável aceitaram fazer o teste do VIH, 93% daqueles que foram diagnosticados receberam acompanhamento médico ao longo de pelo menos seis meses e 92% daqueles que se encontravam sob tratamento tinham carga viral inferior a 400 cópias/ml. Porém, um outro orador, do Ruanda, um país elogiado pelos elevados níveis de pessoas sob tratamento, afirmou que a prevalência se mantem substancialmente mais elevada entre mulheres que fazem trabalho sexual, homens que têm sexo com homens e outras populações-chave. Se os serviços não forem adequados e adaptados a estes grupos, estes e os seus parceiros sexuais não terão acesso aos benefícios do tratamento antirretroviral.

Comentário: O que foi surpreendente no estudo START não foi o facto de demonstrar que iniciar a TAR precocemente foi benéfico – isso já era esperado – mas quão benéfico foi, com uma redução de 50% nas mortes e doenças graves, sendo esta redução no número de cancros e casos de TB, ao invés de nas doenças cardíacas e enfartes. A verdadeira importância do START foi o facto de ter disponibilizado a evidência necessária para convencer entidades como a Organização Mundial de Saúde e a British HIV Association (BHIVA) de que disponibilizar a TAR no momento do diagnóstico é a melhor forma de tratar a infeção pelo VIH. Isto também tem grandes implicações em termos de prevenção, visto eliminar quaisquer questões éticas que ainda pudessem existir a respeito da expansão do rastreio e tratamento enquanto componentes essenciais do trabalho para pôr fim à epidemia do VIH.

PrEP intermitente resulta em algumas pessoas

A profilaxia pré-exposição (PrEP) foi um dos principais temas de discussão na IAS 2015.

Três apresentações de diferentes locais do estudo ADAPT (HPTN 067) demonstraram que, para algumas pessoas e em alguns locais, tomar a PrEP duas vezes por semana ou quando se prevê uma relação sexual, mais uma dose após o ato sexual caso esta se verifique, é uma opção de PrEP praticável e eficaz.

A adesão a um regime de PrEP de duas tomas semanais entre um grupo de homens gay relativamente bem informados e educados na Tailândia foi tão elevada quanto a adesão à toma diária. No entanto, a adesão a um regime “baseado em comportamentos” foi mais baixa em todos os grupos e entre as populações mais desfavorecidas de homens que têm sexo com homens no bairro de Harlem, Nova Iorque, e de mulheres na África do Sul, e somente metade das possíveis exposições à infeção pelo VIH estiveram cobertas por qualquer um dos regimes de PrEP intermitente. Estes valores são comparáveis aos da PrEP diária que cobre dois terços das exposições no Harlem e três quartos na Cidade do Cabo.

Estudos qualitativos, que exploram as barreiras e formas de facilitar a adesão à PrEP no ADAPT, revelaram vários fatores. Eram comuns duas barreiras à adesão à PrEP intermitente e ambas diziam respeito à dose após as relações sexuais: em primeiro lugar, os participantes afirmaram recear que o parceiro sexual os visse a tomar a PrEP e pensasse que viviam com VIH, e em segundo lugar, os participantes indicaram que a possibilidade de adormecerem, beberem ou estarem longe de casa eram barreiras práticas à toma da dose pós-relação sexual.

O estudo francês Ipergay, apresentado em fevereiro, também demonstrou que a PrEP intermitente era eficaz, mas este estudo dava aos seus participantes 24 horas para tomar a dose após a relação sexual, ao invés das duas horas dadas pelo estudo ADAPT (e dava outras 24 horas para tomar uma última dose). Uma outra diferença em relação ao estudo ADAPT prendia-se com o facto de, no Ipergay, os participantes tomarem uma dose dupla de Truvada® antes da relação sexual. O investigador principal do Ipergay, Jean-Michel Molina, apresentou dados que demonstravam que as doses pré e pós relação sexual eram essenciais para atingir os níveis de medicamento suficientes para garantir a proteção. Nas pessoas que se encontram sob PrEP pela primeira vez, somente um dos componentes do Truvada®, a emtricitabina, poderá atingir níveis protetores nas primeiras 24 horas. David Glidden, um outro investigador, já tinha concluído que o outro componente ativo, o tenofovir, atinge níveis mais elevados no tecido anal que no tecido cervical, mantendo-os também durante mais tempo. Isto poderá explicar as taxas de eficácia ligeiramente mais baixas entre mulheres e também indicar a possibilidade de as mulheres beneficiarem menos da PrEP intermitente.

Comentário: Os resultados sugerem alguma flexibilidade nas formas de prescrição da PrEP, mas devem ser analisados com precaução. É necessário estudar mais os padrões de adesão ao Ipergay de modo a compreender se a elevada eficácia observada (86%) se deveu ao facto de o regime ser o suficiente para garantir proteção ou ao facto de a maioria dos participantes tomar PrEP com elevada frequência, ao ponto de esta ser equivalente à PrEP diária. E precisamos compreender melhor, e mais estudos sobre, a PrEP entre mulheres. O estudo aberto TDF2 é um deles (ver notícia seguinte).

Estudos demonstram que pessoas mais vulneráveis à infeção pelo VIH têm maior adesão à PrEP

Para além dos resultados sobre doses intermitentes, também foram apresentados na IAS 2015 resultados de estudos de demonstração em várias partes do mundo. Os estudos concluíram consistentemente que as pessoas em situação de maior vulnerabilidade à infeção pelo VIH tinham uma maior adesão à PrEP.

O projeto Demo dos E.U.A. apresentou dados sobre a toma da PrEP entre homens que têm sexo com homens (HSH) e mulheres transgénero em São Francisco, Miami e Washington DC. A média de adesão era de 85% e os níveis mais elevados de adesão foram relatados por aqueles que também declararam ter praticado sexo sem preservativo com dois ou mais parceiros nos três meses anteriores. A adesão foi mais baixa entre os participantes de Miami (65%) e estes eram tendencialmente mais jovens, tinham uma maior probabilidade de serem negros e ter níveis de comportamentos de risco para a infeção pelo VIH ligeiramente mais baixos. Os dados demonstraram que 97% dos participantes caucasianos tinham amostras de tenofovir no sangue, o que indica quatro ou mais doses semanais, valores que se também se verificaram em 77% dos latinos e em apenas 57% dos negros.

No Brasil, os dados do projeto de demonstração PrEP Brasil concluíram que os HSH com dois ou mais parceiros sexuais com os quais não usavam preservativos tinham uma probabilidade superior em 80% de se inscreverem para fazer parte do estudo. As inscrições de homens com parceiros seropositivos para o VIH, de homens que consideravam ter um elevado risco de contrair a infeção no próximo ano e entre homens que se auto propuseram para o estudo (em oposição àqueles propostos por médicos) também foram superiores à média. No total, pouco mais de metade das pessoas elegíveis para participar no estudo acabaram por se inscrever, mas inscreveram-se mais de dois terços das mulheres transgénero elegíveis. Se comparadas com os HSH cisgénero, estas tinham uma probabilidade de se inscreverem superior em 64%.

No Botsuana, uma extensão aberta do estudo TDF2, um de apenas dois estudos que demonstraram eficácia entre pessoas heterossexuais, encontrou níveis muito elevados (quase 100%) de adesão. Não foram diagnosticadas infeções pelo VIH quando, tendo em conta a incidência encontrada no estudo randomizado original, eram esperadas quatro ou seis. A adesão foi ligeiramente inferior entre mulheres (90%) e entre pessoas que sofreram efeitos secundários significativos. Por fim, tal como sugerido pelos resultados de Miami, os jovens podem ter maior dificuldade em aderir à PrEP.

O estudo ATN (Adolescent Trials Network) 110 recrutou 200 jovens gay e bissexuais em doze cidades dos Estados Unidos da América de uma lista de 2000 homens que demonstraram interesse. A adesão à PrEP de mais de quatro doses semanais começou em 60% mas diminuíra para 35% no final do estudo. Houve uma grande divisão racial em termos de adesão: os participantes caucasianos e latinos mantiveram pelo menos quatro doses semanais ao longo do estudo, mas os participantes negros nunca atingiram o nível de quatro ou mais doses semanais e, no final do estudo, a mediana do nível de medicação entre os participantes negros era ligeiramente superior a zero, o que indica uma baixa toma de PrEP.

Comentário: O facto de as pessoas avaliarem de forma exata o seu nível de risco e de as pessoas com mais comportamentos de risco terem uma maior probabilidade de tomar a PrEP é encorajador. Isto é particularmente importante em países com sistemas de saúde centralizados, como no continente europeu, onde os ministros da saúde querem ter a certeza de que o dinheiro gasto em PrEP não será desperdiçado. O que é menos encorajador, embora não totalmente surpreendente, é o facto de os jovens terem maior dificuldade em tomar a PrEP. Mas é necessária mais investigação sobre o motivo pelo qual as taxas de adesão são tão mais baixas entre os HSH negros, tendo em conta as elevadas taxas de infeção pelo VIH entre esta população. Haverá relação com as condições de habitação? Crenças relacionadas com a saúde? Desconfiança em relação aos médicos? Fatalismo? Só uma investigação qualitativa e de qualidade poderá dar respostas.

Projeto ucraniano de educação de pares entre pessoas que usam drogas reduz a incidência do VIH para quase metade

Um estudo conduzido na Ucrânia, apresentado na conferência IAS, demonstrou que um projeto de educação de pares reduziu em 41% as novas infeções pelo VIH entre pessoas que injetam drogas. Neste estudo, as pessoas em recuperação faziam trabalho de proximidade. Contataram e recrutaram 1205 pessoas seronegativas para o VIH com consumos de droga por via injetada para trabalharem como formadores de pares – garantindo inclusive que consumiam realmente drogas por via injetada através da verificação de marcas de injeção e níveis de droga no sangue. Receberam formação para recrutar e educar os seus pares sobre práticas de redução de danos. A formação, conduzida por trabalhadores de proximidade, tinha um guião e envolvia exercícios de role-play. A cada um dos educadores de pares que recebeu formação foi pedido que levasse para o programa outras duas pessoas que consumissem drogas. No final do primeiro ano, 18% das pessoas sob intervenção do grupo de pares tinham contraído a infeção pelo VIH versus 32% das pessoas no grupo de controlo.

Um outro estudo ucraniano demonstrou que as pessoas seropositivas para o VIH que consomem drogas por via injetada e que estão sob terapêutica de substituição opiácea (TSO) têm maior probabilidade de estar a tomar também a terapêutica antirretroviral que aqueles que não estão sob TSO. Dois terços de uma amostra aleatória de consumidores de opiáceos que estavam sob TSO tinham uma maior probabilidade de frequentar as consultas de rotina e uma menor probabilidade de recorrer aos serviços hospitalares de urgência, era mais provável que tivessem feito uma contagem de células CD4 nos últimos seis meses (82% versus 60%) e que estivessem sob terapêutica antirretroviral (37% versus 26%), apesar de viverem com a infeção pelo VIH por um período de tempo semelhante (cinco anos). Menos de um terço relatou ter consumos injetados no último mês, sendo este valor de 90% entre aqueles que não se encontram sob TSO. De forma não surpreendente, gastaram consideravelmente menos em drogas no mês anterior que aqueles que não estavam sob TSO (10$US vs. 397$US), tendo isso consequências em termos de criminalidade e tráfico de droga; o salário médio ucraniano é de 170$US.

Um estudo da Columbia Britânica, no Canadá, comparou os dois cenários e demonstrou que disponibilizar a TSO a pessoas que consomem opiáceos por via injetada reduz o risco de transmissão do VIH em 36%. E porque a TSO está associada a taxas inferiores de partilha de seringas e injeção de cocaína, as pessoas que se encontravam sob esta terapêutica tinham uma probabilidade quatro vezes inferior de contrair a infeção pelo VIH: ao longo de quatro anos, a incidência anual do VIH entre as pessoas sob TSO foi de 0,6% e de 2,25% entre aqueles que não se encontravam sob esta terapêutica.

Por fim, um outro estudo da Columbia Britânica demonstrou a TSO e o tratamento antirretroviral são componentes essenciais de programas de redução da mortalidade entre pessoas que consomem drogas por via injetada. Curiosamente, a TSO funcionava de forma algo contraintuitiva: as mortes relacionadas com o consumo de drogas entre pessoas sob TSO que não se encontram sob terapêutica antirretroviral não eram mais baixas, ao contrário das mortes relacionadas com a infeção pelo VIH, provavelmente porque os utilizadores de TSO têm um maior contacto com profissionais de saúde. O tratamento antirretroviral sem TSO reduziu as mortes relacionadas com a infeção pelo VIH e as mortes relacionadas com o consumo de drogas, mas é a disponibilização de ambas as terapêuticas que tem um maior impacto, com uma redução de quase 90% na mortalidade.

Comentário: Este sumário só refere quatro de um número surpreendentemente grande de estudos com pessoas que consomem drogas por via injetada e consumidores de opiáceos – uma população anteriormente negligenciada. O trabalho pioneiro feito na Columbia Britânica demonstra que as pessoas que consomem drogas por via injetada podem ser envolvidas nos cuidados de saúde e tomar a terapêutica antirretroviral de forma a atingirem carga viral indetetável, tal como qualquer outro grupo, e é encorajador ver esses modelos a serem aplicados em países de baixos rendimentos, como é o caso da Ucrânia. É também encorajador perceber que é possível dar formação a pessoas com consumos injetados ativos para que trabalhem como pares na sua comunidade. Porém, o facto de um centro de Donestk que estava envolvido no estudo da TSO ter encerrado os serviços de redução de danos após passar a ser controlado por separatistas pró-russos, mostra que este tipo de trabalho tem um longo caminho a percorrer até ser aceite.

Organização Mundial de Saúde apela a maior rastreio do VIH a populações mais vulneráveis

Serão necessárias melhorias nos serviços de rastreio do VIH de forma a atingir a ambiciosa meta 90-90-90. Muitos países estão a ficar mais para trás na meta de diagnosticar 90% das pessoas que vivem com VIH que nas outras duas metas.

Para além de recomendar que os rastreios de rotina do VIH em contexto hospitalar sejam ampliados para atingir outros grupos populacionais, as novas orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o rastreio do VIH também recomendam a realização de rastreios do VIH por agentes comunitários, frequentemente em contexto comunitário. As orientações apelam a que os responsáveis pelo planeamento tomem decisões de forma cuidadosa e estratégica sobre que intervenções de rastreio são as adequadas para atingir as pessoas que vivem com VIH e que não estão diagnosticadas. Poderão ser necessárias novas abordagens para atingir as populações-chave.

O auto teste ainda não é recomendado. Isso deve-se ao facto de ainda estarem a surgir evidências sobre a sua eficácia e sobre quais as melhores formas para o disponibilizar. Mas a OMS despendeu de um período de tempo substancial para discutir o auto teste, aquando do lançamento das suas orientações para o rastreio na IAS 2015 e este poderá vir a ocupar um lugar importante em orientações futuras. Uma falha importante das evidências refere-se à implementação do auto teste em locais de recursos limitados com homens que têm sexo com homens, trabalhadores do sexo, pessoas que consomem drogas por via injetada e outras populações-chave. Em regiões com grande estigma social e onde as preocupações com questões de confidencialidade possam dificultar o acesso aos serviços de saúde, o auto teste pode vir a ser vantajoso para estes grupos, sobretudo em termos de privacidade e autonomia.

Um estudo de maiores dimensões no Maláui, Zâmbia e Zimbabué irá distribuir cerca de 750 000 kits de rastreio. Mas embora existam pelo menos 20 estudos sobre auto teste dirigidos à população em geral em países africanos, somente seis são direcionados às populações-chave. Estudos sobre o auto teste entre mulheres do Quénia e mulheres transgénero nos E.U.A. concluíram que as pessoas trocam o apoio pela privacidade, de forma a evitarem receber um diagnóstico positivo num ambiente hostil, mas que muitas vezes fazem o teste na presença de amigos ou companheiros de forma a terem apoio. Num estudo dos E.U.A. com homens gay, aqueles com acesso ao auto teste faziam mais regularmente o rastreio, com 76% a fazer o teste pelo menos a cada três meses (tal como recomendado pelos investigadores), em comparação com 54% daqueles no grupo de controlo, sem quaisquer diferenças no comportamento sexual.

Comentário: Diferentes formas de rastreio do VIH funcionam com diferentes populações, e provavelmente os programas de rastreio terão sempre de ser conduzidos com um elemento de pesquisa de implementação em mente, com vista a alterar as fracas taxas de diagnóstico. Garantir que o rastreio chega às populações-chave com elevada incidência da infeção é algo chave para a garantia do seu sucesso enquanto parte de uma estratégia de redução da infeção pelo VIH, sobretudo em regiões como a Europa Central onde, tal como demonstrou um estudo recente, as taxas de rastreio entre homens gay permanecem inaceitavelmente baixas. É bom que o auto teste seja agora uma possibilidade, mas de momento é uma tecnologia sem uma indicação clara para uso; será necessária mais investigação para concluir qual a melhor forma de o usar e quem irá beneficiar mais.

Entre um terço e metade dos africanos a viver com VIH em França contraiu a infeção nesse país

De acordo com um estudo apresentado na IAS 2015, entre um terço e metade dos africanos a viver com VIH em França terá provavelmente contraído a infeção após sair de África. Dos 898 imigrantes africanos seropositivos para o VIH a viver em França sem qualquer registo de um teste positivo antes da entrada no país, 63 tiveram um resultado negativo para o rastreio ao VIH enquanto viviam no país e 28 só começaram a ter relações sexuais após a entrada em França. Outros 137 foram diagnosticados mais de onze anos após a chegada ao país. Contando também com as pessoas com contagem de células CD4 indicadora de uma infeção recente, estimou-se que pelo menos 35% e até 49% tenham contraído a infeção pelo VIH em França. Esta conclusão vai ao encontro de uma investigação anterior conduzida no Reino Unido que calculou que sensivelmente um terço das pessoas africanas a viver com VIH no Reino Unido tenham contraído a infeção após a migração. Um outro estudo de Seattle, E.U.A., apresentado na conferência, demonstrou que 34 de 112 amostras do VIH de imigrantes africanos podiam ser associadas a amostras de outras pessoas a viver na área de Seattle, o que sugere que a transmissão ocorreu a nível local. Alguns destes clusters de transmissão só incluem pessoas de origem africana a viver na mesma localidade.

Comentário: Existem implicações óbvias para o trabalho de prevenção do VIH com imigrantes e sobretudo com comunidades africanas nos E.U.A. e Europa se mais de um terço estiver a contrair a infeção pelo VIH após a migração. Um estudo holandês de 2010 sugeriu que com algumas comunidades africanas o risco de infeção poderá ser maior no país de acolhimento do que no país de origem. Isso pode dever-se ao facto de a primeira geração de imigrantes preferir procurar parceiros sexuais dentro da sua comunidade, concentrando assim a infeção naquele grupo. Isso poderá também ser uma explicação para as elevadas taxas de infeção pelo VIH entre homens gay negros e americanos.

Europa de Leste tem as taxas de supressão viral mais baixas que as de África

Um estudo do Reino Unido demonstrou que alguns dos países mais ricos estão muito longe de atingir a meta 90-90-90 da ONUSIDA. Os avanços são piores na Europa de Leste, onde a maioria dos países se encontra atrás da média da África subsaariana em todos os indicadores. A meta 90-90-90 definida pela ONUSIDA traduz-se em carga viral indetetável em 72,9% de todas as pessoas a viver com VIH. Quão longe estão alguns países de atingir este objetivo?

A investigação demonstra que a Suíça, Austrália e Reino Unido têm a maior proporção de pessoas a viver com VIH com carga viral indetetável, com mais de 60% da estimativa de pessoas seropositivas com carga viral indetetável. Em todo o mundo, a proporção estimada de pessoas a viver com VIH e que têm carga viral indetetável é de 32%.

Os Estados Unidos da América encontram-se abaixo deste valor, com uma estimativa de 30%, embora tenha uma das mais elevadas proporções de pessoas diagnosticadas, 86%. Mas alguns países da Europa de Leste têm resultados ainda piores. Na Estónia, embora quase 90% das pessoas que vivem com VIH estejam diagnosticadas, apenas 29% estão sob terapêutica antirretroviral, enquanto na Rússia são apenas 11%. Também existem mais surpresas. Em França, país geralmente visto como tendo um bom sistema de saúde, 52% das pessoas a viver com VIH têm carga viral indetetável – a mesma proporção do Ruanda – e na Columbia Britânica, região que se orgulha do seu trabalho de prevenção e tratamento para pessoas que consomem drogas por via injetada, apenas 35% têm carga viral indetetável.

Comentário: É importante analisar a “cascata do tratamento” em diferentes países de forma a desvendar os “pontos de quebra” em que as fraquezas do sistema de saúde de um determinado país impedem uma resposta coordenada e eficaz à infeção pelo VIH. Cada país tem as suas barreiras e, tal como mostra este inquérito, poderão fornecer resultados surpreendentes. A disponibilização ineficaz do tratamento e as atitudes punitivas para com as pessoas que consomem drogas na Rússia e na Estónia contribuem para as reduzidas taxas de tratamento. Nos E.U.A., o problema parece estar relacionado com uma desconfiança em relação ao sistema de saúde e com as dificuldades em navegá-lo. Em alguns países africanos, o estigma em relação à infeção pelo VIH e o receio de fazer o teste, ideias antiquadas sobre o tratamento antirretroviral e barreiras estruturais como a distância a percorrer para chegar ao hospital, podem ser fatores relevantes.

Outras notícias recentes

Outras notícias recentes

Resultados finais de importante ensaio sobre prevenção: nenhuma transmissão com parceiros seropositivos sob tratamento

Quatro anos após os primeiros resultados do estudo terem demonstrado que o tratamento precoce reduz o risco de transmissão da infeção pelo VIH em 96%, o follow-up final do estudo HPTN 052 sobre o tratamento como prevenção não mostra evidências de transmissão da infeção pelo VIH em pessoas com carga viral indetetável aos seus parceiros. A análise final reduz essa estimativa para 93% após terem ocorrido outras duas transmissões, uma a partir de uma pessoa que tinha iniciado recentemente o tratamento e que ainda não tinha carga viral indetetável e outra de uma pessoa que tinha interrompido a terapêutica.

Jovens gay têm risco muito menor de contrair a infeção pelo VIH que gerações anteriores

Uma análise inovadora das tendências do VIH na área de Seattle concluiu que os homens gay que nasceram no início da década de 60 eram o grupo com maior probabilidade de contraírem a infeção pelo VIH ao longo das suas vidas, risco esse que decresceu drasticamente com as gerações seguintes. Embora os homens gay negros nascidos nas décadas de 70 e 80 tinham uma probabilidade muito mais baixa de contrair a infeção que as gerações anteriores, as disparidades raciais permanecem acentuadas.

Iniciar tratamento antirretroviral no primeiro dia conduz a supressão mais rápida do VIH em São Francisco

Um programa conduzido no San Francisco General Hospital, que disponibiliza a terapêutica antirretroviral (TAR) no dia do diagnóstico de infeção, conduziu a uma taxa mais elevada de adesão à terapêutica e uma supressão mais rápida da carga viral, se comparada com as práticas padrão. Os participantes a quem foi imediatamente disponibilizada a TAR atingiram carga viral passados 56 dias, e aqueles a quem foi disponibilizada a terapêutica na consulta seguinte e após análises de laboratório só a atingiram passados 119 dias. Após seis meses sob TAR, 95% dos participantes no estudo RAPID tinham carga viral indetetável, sendo o valor de 70% nos cuidados padrão.

Aumento de terapêutica antirretroviral reduz risco de transmissão de mãe para filho

Um estudo conduzido na Tailândia demonstrou que a intensificação da terapêutica antirretroviral (TAR) materna e para o feto (no fundo, o aumento da TAR para a mãe e PrEP para o recém-nascido) é muito eficaz na prevenção da transmissão da infeção pelo VIH durante o parto em mulheres grávidas que iniciam tardiamente o tratamento (com menos de oito semanas de TAR padrão). No total, 88 pares de mãe/bebé tomaram medicamentos antirretrovirais adicionais para além do regime padrão da TAR e não foram relatadas quaisquer transmissões.