Outubro 2012

O que está a acontecer com a PrEP?

Apesar de sabermos há já dois anos que a profilaxia pré-exposição (PrEP), na qual uma pessoa seronegativa para o VIH toma medicamentos antirretrovirais para se proteger da infeção, tem demonstrado ser altamente eficaz nos homens gay, pessoas heterossexuais e em casais serodiscordantes há, ainda, muitas questões sobre a sua praticidade e generalização. Um outro estudo, por exemplo, concluiu que não funcionava como opção para jovens mulheres sul-africanas.

Contudo, o custo poderá ser a barreira mais forte para a disseminação do uso deste novo método de prevenção. Um estudo matemático recente, baseado em dados peruanos do estudo iPrEX, para homens gay, concluiu que a PrEP poderia ser custo-eficaz: no Peru, o valor atribuído a um ano extra sem VIH revelou se de US$140 até $1400, dependendo de como a PrEP fosse cuidadosamente direcionada. Mas mesmo assim, os custos absolutos da PrEP significariam que, com o atual preço dos medicamentos, um país como o Perú não poderia suportar um programa suficientemente alargado para travar o número de infeções.

Há vários programas de ensaios da PrEP atualmente, mas os quatro estudos mais importantes, desenhados para melhor compreender o seu potencial são:

ADAPT (HPTN 067): Este estudo de seis meses compara a utilização do Truvada® (tenofovir/FTC) como PrEP em toma diária, duas vezes por semana ou no dia anterior ao das relações sexuais, com outra dose duas horas após o contacto sexual nos dois últimos grupos. Na Cidade de Cabo, 180 mulheres estão já inscritas; na Tailândia o recrutamento de 180 homens gay e outros homens que têm sexo com homens (HSH) e trangéneros (TG) começou em setembro; um segundo grupo HSH/TG está planeado para Nova Iorque.

IPERGAY: Este estudo francês de dois anos compara o Truvada®, administrado 24 horas antes e duas horas após o contacto sexual, com um braço placebo. Atualmente decorre em fase piloto em três locais, com pouco mais de 100 pessoas inscritas. Espera-se que, eventualmente, o ensaio se difunda a 2 000 homens gay. Tem surgido alguma controvérsia sobre se o braço placebo devia continuar, apesar de no dia 1 de outubro a comissão científica do estudo ter decidido mantê-lo.

PROUD: Este estudo inglês está planeado para ter início a meio de novembro. O principal objetivo é descobrir se a toma da PrEP altera outros comportamentos sexuais de risco como o uso do preservativo, que foi sempre uma preocupação. Na fase piloto, 500 homens gay vão receber uma formação intensa sobre práticas de sexo mais seguro. A metade dos participantes será imediatamente disponibilizado Truvada® e a outra metade apenas terá acesso um ano depois. Se este estudo piloto parecer viável, espera-se que se estenda a um número mais alargado de 5000 participantes.

NEXT-PrEP (HPTN 069): Este estudo de um ano usa um novo medicamento como PrEP, o maraviroc (Celsentri®). Começou em julho e recrutará 400 homens gay e 200 mulheres em doze locais norte-americanos. Os participantes foram divididos em três grupos, um dos quais tomará maraviroc mais tenofovir e comprimidos placebo de FCT; outro maraviroc e FTC com placebo de tenofovir; ou maraviroc e tenofovir mais placebo de FTC.

Esperam-se resultados no final de 2013 para o ADAPT e em meados de 2014 para o NEXT-PrEP; os resultados dos outros dois dependem das fases piloto serem alargadas.

O tratamento com metadona reduz para metade o risco de infeção pelo VIH

O tratamento de substituição opiácea (TSO) com metadona para as pessoas que usam drogas por via injetada reduz o risco de infeção pelo VIH em, pelo menos, 40%, de acordo com os resultados sistemáticos de uma meta-análise. Por outro lado, utilizar a metadona como um medicamento para a obtenção da abstinência do consumo de opiáceos foi associado a um maior risco de infeção pelo VIH.

Os investigadores também procuraram estudos sobre TSO com buprenorfina, contudo, não foi encontrado nenhum que preenchesse os critérios de meta-análise.

Doze estudos publicados e três estudos por publicar sobre a terapêutica de manutenção com metadona (TMM), divulgados entre 1992 e 2009, foram identificados. Destes nove foram suficientemente semelhantes nos resultados obtidos para serem incluídos na análise. Seis destes estudos decorreram na América do norte, dois na Europa (Londres e Amesterdão) e um na Tailândia. Três dos estudos incluíram, também, dados sobre desabituação com metadona. Ocorreram 819 novas infeções pelo VIH correspondendo a uma incidência anual de 3,5%.

No geral, a TMM reduziu a incidência em 54%; nos seis estudos observados, depois de ajustados os fatores de confusão, ocorreu uma redução de até 40%. Não houve evidência de que os benefícios do TSO tivessem divergido de região para região ou que tenham sido influenciados pela disponibilização de incentivos. Contudo, houve uma reduzida associação entre a longa duração do tratamento de substituição opiácea e os melhores benefícios em termos de redução da incidência da infeção pelo VIH: no estudo conduzido em Amesterdão, que teve um acompanhamento mais prolongado (20 anos), a TMM reduziu o número de infeções pelo VIH em 60%.

A contrastar, quando a metadona foi utilizada com vista à abstinência e não para manutenção, o risco de infeção pelo VIH foi na realidade 54% superior ao valor da incidência de linha de base.    

“Estes dados reforçam o apelo global para o aumento de intervenções na área da redução de danos de forma a diminuir a transmissão da infeção pelo VIH entre as pessoas que injetam drogas e entre estes e a comunidade no geral”, comentam os investigadores.

A carga viral não serve de defesa na Noruega

Os ativistas na área do VIH reagiram com consternação a um relatório divulgado este mês pela Comissão Norueguesa para o VIH e Lei. Embora pela primeira vez admita o uso do preservativo como defesa, por outro lado reforça a lei contra a transmissão da infeção pelo VIH.  

Mantém a posição de que a exposição da infeção pelo VIH sem ocorrer transmissão é crime e afirma que emitir um parecer favorável sobre o risco de relações sexuais desprotegidas seria apenas juridicamente válido se testemunhado por um profissional de saúde, a fim de se estabelecer um consentimento verdadeiramente informado.

As conclusões apresentadas desapontam uma coligação de ativistas na área do VIH, que esperavam que a análise da lei levasse a que a comissão restringisse as acusações às situações claramente deliberadas de transmissão da infeção pelo VIH, tal como aconteceu em alguns países vizinhos, como a Holanda e a Dinamarca. Este último suspendeu  processos sob o seu próprio código penal no ano passado.

A comissão afirma que a utilização do preservativo pode representar uma defesa, independentemente de outros fatores de risco, como os valores da carga viral de uma pessoa seropositiva. Tal contradiz o recente acórdão do Supremo Tribunal do Canadá, que afirmou que o uso do preservativo por si só não é suficiente como defesa, uma vez que continua a haver uma “probabilidade realista” de infeção: não revelar o estatuto serológico não constituirá crime apenas nos casos onde a pessoa seropositiva tenha também carga viral indetetável.

A comissão norueguesa, a contrastar, não considera válido como defesa a existência de carga viral em níveis indetetáveis declarando que: “O conhecimento disponível sobre o risco de infeção…com uma pessoa seropositiva sob tratamento permanece incerto (para concluir que as relações sexuais desprotegidas não sejam consideradas crime)”. Contudo, afirmam que a carga viral indetetável pode ser levada em conta para o estabelecimento da sentença.

Louis Gay, ativista norueguês, que advoga publicamente contra a acusação de  um simples caso de sexo oral em que não houve a revelação do estatuto serológico positivo – que, ironicamente, pode não ser condenado sob a nova legislação proposta – comentou apenas “Bem-vindos ao meu mundo”. Acusado em março, o julgamento de Gay foi agora adiado porque o queixoso – cuja infeção já foi demostrado não proveio de Gay – saiu do país.

No Reino Unido, mais africanos infetados pelo VIH do que se pensava

Os cientistas da Health Protection Agency, no Reino Unido, pensam agora que cerca de 30% dos africanos heterossexuais que vivem com VIH no Reino Unido contraíram a infeção neste país, em oposição aos 10% estimados anteriormente.

Um novo método usa a contagem de células CD4 e o ano de chegada de uma pessoa ao Reino Unido para estimar quando ocorreu a infeção, em vez de confiar nas perceções das pessoas sobre quando e onde ocorreu. 

A proporção de infeções contraídas pela população africana no Reino Unido tem aumentado e, de acordo com os dados do último ano investigado (2010), situou-se nos 43%.

Investigações anteriores indicam que as pessoas podem estar em maior risco de contrair a infeção pelo VIH quando emigram para outro país, mesmo quando o país de origem tem uma prevalência elevada; estudos onde tal é sugerido foram conduzidos em migrantes africanos e caribenhos na Holanda, migrantes gay da Europa de leste e central no Reino Unido e migrantes mexicanos nos E.U.A..

O tratamento como prevenção está a ter bons resultados em França?

Médicos de sete clínicas de VIH das regiões norte e oriental de França identificaram uma relação entre a diminuição da designada “carga viral comunitária” (CVC) nas pessoas diagnosticadas entre 2005 e 2010 e o número de novos diagnósticos de infeção pelo VIH, apesar de esta associação ser mais fraca do que esperado.

Pensa-se já algum tempo que, se uma proporção suficientemente elevada da população que vive com VIH estivesse sob tratamento, chegaríamos a uma situação onde as infeções pelo VIH diminuiriam à medida que cada vez menos pessoas tivessem carga viral detetável.

Alguns estudos em homens gay de São Francisco, pessoas que injetam drogas em Vancouver e heterossexuais em algumas zonas da África do Sul indicam que reduzir os níveis padrão da carga viral das pessoas que vivem com VIH pode ter um impacto na incidência nesse local. Mas, até agora, não houve qualquer evidência de tal estar a acontecer na Europa.

No estudo francês, a proporção de pessoas sob terapêutica antirretroviral há, pelo menos três meses, aumentou de 70% em 2005 para 85% em 2010. Durante este período, a CVC– definida pela soma do mais recente valor de cada pessoa em qualquer ano – diminuiu de 79,5 milhões em 2005 para 57,5 milhões em 2010 – dados estatisticamente significativos.

A diminuição da CVC correspondeu a um modesto valor de 28%, apesar de um aumento em quase 60% no número absoluto de pessoas sob tratamento nos cinco anos. Tal deve-se, provavelmente, segundo comentam os investigadores, ao facto de muitas infeções estarem a aumentar a partir dos estimados 30% de pessoas que vivem com VIH em França que não estão diagnosticados.

Um outro estudo conduzido em Genebra, na Suíça, apoia esta ideia. Análises genéticas da infecção pelo VIH em pessoas diagnosticadas entre 2008 e 2010 concluíram que dois terços destas pertenciam a um novo grupo geneticamente relacionado, e que 41% pertencia a aglomerados exclusivamente compostos por pessoas diagnosticadas durante este mesmo período de dois anos. A contrastar, apenas 8% tinha sido infetado por pessoas que aparentemente tinham contraído a infeção antes de 2000.

Os escoceses estão empenhados no rastreio da infeção pelo VIH

A Escócia, um país com um historial de taxas de rastreio muito baixo é, agora, na Europa um dos países com taxas mais elevadas de homens gay a reportar o teste para o VIH nos últimos doze meses, de acordo com um estudo em locais de socialização gay.

Entre 2000 e 2010, a proporção de pessoas a reportar um teste nos últimos dozes meses aumentou de 27 para 57%. A proporção de homens que nunca tinham sido testados para o VIH aumentou de 50% em 2000 para 80% em 2010.

Houve também um aumento na proporção de homens que entenderam o rastreio como benéfico e como uma norma comunitária.

Os investigadores acreditam que os seus resultados apontam para a “normalização” do rastreio da infeção pelo VIH.

“Estes desafios, independentes tanto a nível demográfico como de comportamentos sexuais, representam uma mudança-chave na saúde sexual relacionada com a infeção pelo VIH semelhante às profundas mudanças observadas no uso do preservativo durante a década de 80.”

Outras notícias recentes

Aumento massivo da incidência de hepatite C nos homens gay seropositivos para o VIH na Suíça

A incidência de infeções pelo vírus da hepatite C (VHC) aumentou 18 vezes nos homens gay seropositivos para o VIH na Suíça, desde 1998. Metade de todas as infeções ocorreu entre 2008 e 2011. Em contraste, a incidência do VHC permaneceu estável nos heterossexuais seropositivos para o VIH e desceu nas pessoas seropositivas para o VIH que usam drogas por via injetada (PUDI). Atualmente a incidência do VHC é mais elevada nos homens gay do que nas pessoas que usam drogas injetadas.

A aplicação Grindr para o smartphone pode ser uma boa estratégia para recrutar homens gay a participar em estudos sobre prevenção da infeção pelo VIH

Investigadores norte-americanos concluem que os homens gay podem ser eficaz e eficientemente recrutados para estudos sobre prevenção da infeção pelo VIH através da aplicação Grindr para smartphones. O Grindr foi especialmente útil para alcançar pessoas mais jovens, homens gay mais letrados com um número elevado de parceiros sexuais.

Mais evidência de que a “combinação” de testes rápidos falha com frequência na deteção do período agudo da infeção pelo VIH

Os testes rápidos, que têm por objetivo reduzir o “período de janela” através da deteção tanto de anticorpos como de antigénio p24, tem fracos resultados nas clínicas do Reino Unido. Embora o Determine HIV-1/2 Ag/Ab Combo identifique eficazmente as pessoas com anticorpos par o VIH, apresentou resultados falsos negativos na maioria das pessoas com infeção recente pelo VIH.

O desenvolvimento de neoplasia anal é comum entre os homens gay que vivem com VIH (Português)

Os homens gay seropositivos para o VIH com lesões anais causadas pelo vírus do papiloma humano (HPV) desenvolvem cancro anal em níveis preocupantes, segundo um estudo espanhol. Os cientistas concluíram que um em cada 300 homens gay com lesão intraepitelial de alto grau (HSIL) progride para cancro anal no espaço de um ano, tal como em 1 em cada 500 com lesões de baixo grau (LSIL). A progressão de LSIL para HSIL foi muito comum verificando-se em 40% dos casos.

Dicas do editor sobre outras fontes

Profilaxia pré-exposição na prevenção da infeção pelo VIH – resultados do estudo

Uma votação efetuada pelo New England Journal of Medicine concluiu que os seus leitores estão divididos em partes iguais entre considerar a profilaxia pré-exposição como uma boa ideia. A revista apresentou o caso de um homem gay de 46 anos e de uma mulher africana de 18 anos que tinham tido sexo desprotegido e perguntou aos leitores se prescreveriam a PrEP. Cinquenta por cento afirmou que sim para o homem gay e 49% para a jovem mulher.

Vacina para o vírus do papiloma humano pode prevenir centenas de cancros e verrugas genitais

Especialistas em saúde sexual dos E.U.A. fizeram o apelo para que mais raparigas adolescentes recebam a vacina Gardasil® contra o vírus do papiloma humano (HPV), do qual algumas estirpes causam verrugas genitais, cancro no colo do útero, cancro anal e alguns tipos de cancro oral. Apesar da FDA aprovar a vacinação de raparigas adolescentes com idades compreendidas entre os 13 e 17 anos, a vacina, que é 100% eficaz na prevenção das quatro principais estirpes do HPV se administrada antes do início da atividade sexual, foi dada apenas a 32% das raparigas em comparação com 84% no Reino Unido, no ano passado. Os E.U.A., contudo, aprovaram a vacinação do Gardasil® para os rapazes, o que até agora o Reino Unido falhou em fazer.

Salas de consumo assistido são testadas em França

A Ministra francesa da Saúde, Marisol Touraine, recomendou um projeto piloto para salas de consumo por via injetada, designadas por “salas de chuto”, onde as pessoas que injetam drogas podem fazê-lo num ambiente esterilizado, com supervisão médica em vez de o fazerem nas ruas. Se o parlamento francês aprovar este projeto, os ensaios podem começar em dezembro. Vários países, incluindo a Alemanha e a Suíça, têm já espaços de consumo a funcionar.

Magic Johnson é a nova cara do teste rápido para o VIH realizado em casa

O ativista na área do VIH e antigo jogador de basquete, Earvin “Magic” Johnson, concordou ser a figura pública da campanha que promove o kit do teste rápido para o VIH para utilização em casa nos E.U.A..

Com a aprovação da Food and Drug Administration, os norte-americanos poderão recolher uma amostra oral e obter o resultado em 20 minutos. O OraQuick estará disponível nas farmácias e via online por 40 dólares americanos. O kit do teste rápido não foi ainda aprovado para venda sem prescrição na Europa

A minha vida sob PrEP

Um trabalhador gay da área da prevenção do VIH em LA, escrevendo sob o nome de Jake Sobo, lançou um blog honesto e sexy sobre a sua decisão de iniciar a PrEP para se proteger da infeção pelo VIH e de como tal afetou as decisões que toma sobre a sua vida sexual.